O nome real Nabukudurri-usur (“Nebo, Proteja a Minha Fronteira!” ou “Nebo, proteja o teu servo!”) foi adotado por quatro monarcas babilónios, sendo que apenas um deles (Nabucodonosor II) é mencionado na Bíblia, embora com uma ênfase e uma frequência que testemunham seu importante papel na história redentora.
Das duas transcrições inglesas de seu nome, encontradas nas versões padrão em inglês, aquela com r (em hebraico, N‘ bukadre’ssar em Jeremias e Ezequiel) é a que mais fielmente representa o acádio original (cf. acima). A ortografia com n (em hebraico Nebu f ukadne[’]ssar) é encontrada em 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester, Daniel e, ocasionalmente, em Jeremias. Em aramaico Nebu / ukadnessar em Esdras e Daniel. Na Septuaginta (LXX), consta Nabouchodonosfejor). No entanto, todas elas são o resultado de uma dissimilação dialetal.
Registros históricos
Foram escavadas mais de 500 tábuas relacionadas com a administração e os contratos, datadas de acordo com os dias, meses e anos do reinado de Nabucodonosor. Também existem cerca de 30 edifícios e inscrições honoríficas, principalmente em cilindros de pedra e tijolos que incluem a importante inscrição da Casa da índia Oriental, uma inscrição em um monolito de basalto negro com 621 linhas que descrevem a fortificação da Babilônia, a restauração do antigo palácio e uma nova construção. As 720 linhas da inscrição Uádi Brissa, na Síria (ANET, p. 307) registram sua conquista do Líbano e o transporte de seus cedros para a Babilônia, D. J. Wiseman publicou recentemente o conteúdo de tábuas relacionadas à crônica da Babilônia, ano a ano, e que tratam dos primeiros 12 anos de seu reinado.
Outras fontes incluem livros do AT como 2 Reis, 2 Crônicas, Jeremias, Ezequiel e Daniel, além de fragmentos de historiadores posteriores citados por Josefo e Eusébio.
História Política
Nabucodonosor II foi, sem dúvida, o maior dos governantes do breve Império NeoBabilônico (626-539 a.C.), sobre o qual ele reinou durante 43 anos (605-562). Seu pai era Nabopolassar que, desafiando os exércitos da enfraquecida Assíria, foi entronizado como rei da Babilônia em 23 de novembro de 626 a.C. Depois da destruição de Nínive, em 612 a.C., por uma aliança medo-babilômea, a Assíria mudou sua capital para Harran, situada a oeste, mas, em 610 a.C., ela foi ocupada por Nabopolassar sem qualquer luta. Nada mais ficamos sabendo sobre a Assíria depois de 609 a.C.
O resultado imediato da derrota da Assíria foi uma breve afirmação da hegemonia egípcia sobre Judá, O Faraó Neco II (609-593 a.C.) nomeava e destituía os monarcas judeus a seu bei prazer até a derrota das forças egípcias em Carquemis.
O crédito pela vitória da Babilônia deve ser atribuído a Nabucodonosor, o príncipe herdeiro que havia sido enviado por Nabopolassar para liderar o exército de seu país. Recentemente, tábuas publicadas sobre as crônicas da Babilônia nos permitem determinar com bastante precisão a data da batalha de Carquemis (maio-junho de 605 a.C.). Tanto Jeremias (Jr 46.2-12) quanto Josefo (Attí.x.6) reconheceram uma parte de sua importância, por ter marcado a eliminação do Egito de qualquer papel significativo nos negócios da Palestina, assim como a elevação de Nabucodonosor ao poder. No dia 16 de agosto de 605 a.C., Nabopolassar morreu, e Nabucodonosor não levou adiante o propósito do pai de que os egípcios se retirassem para seu país a fim de assumir o trono da Babilônia. Sua coroação foi realizada no dia 7 de setembro, depois da qual ele dirigiu seu exército para o ocidente e recomeçou o avanço sobre a Síria.
Nabucodonosor reina sobre a Palestina
Por volta de 603 a.C., Nabucodonosor reinava sobre toda a Sírio-Palestina. Jeoaquim transferiu a ele sua lealdade, mesmo de forma temporária (2 Rs 24.1). Asquelom, na Filístia, havia sido destruída por Nabucodonosor antes de seu retomo à Babilônia em fevereiro de 603 a.C. O Papiro Saqqara número 86984 (Museu do Cairo), uma carta escrita em aramaico que apela pela ajuda do Faraó, foi provavelmente escrito em Asquelom, pouco antes de sua destruição. Em 601 a.C,, Nabucodonosor mais uma vez marchou em direção ao Egito e travou uma intensa batalha contra as forças de Neco nas proximidades da fronteira egípcia. Ambos os lados sofreram grandes perdas e a batalha terminou em um empate forçado. Foi nesse ponto que Jeoaquim, evidentemente convencido de que sua oportunidade havia chegado, rebelou-se contra a Babilônia e deixou de pagar seu tributo (2 Rs 24.1). Porém, embora estivesse em desvantagem naquele momento, Nabucodonosor não tinha qualquer intenção de permitir que Judá se desligasse de seu império. Portanto, durante algum tempo ele atormentou esse pequeno rei no com bandos de saqueadores convocados dentre seu próprio exército, assim como de contingentes mercenários (24.2).
Ele veio com o principal exército babilônico contra Judá (2 Rs 24.10,11) em dezembro de 598 a C. O escriba da crônica da Babilonica reportando os eventos de 597 a.C, declara simplesmente que Nabucodonosor “acampou contra a cidade de Judá [isto é, Jerusalém] e, no segundo dia do mês de Adar [isto é, 16 de março], ele tomou a cidade e capturou o rei [isto é, Joaquim]. Lá ele nomeou um rei que o agradava [isto é, Zedequias]”. Jeoaquim havia morrido misteriosamente no mesmo mês em que o exército babilónico havia marchado contra Judá. Em vista do fato de que seu filho Joaquim (2 Rs 24.6) governou durante três meses e dez dias (2 Cr 36.9; acredita-se que os “três meses” de 2 Rs 24.8 sejam apenas uma aproximação) antes da captura de Jerusalém, A data exata da morte de Joaquim foi 7 de dezembro de 598 a.C. Sua idade declarada em 2 Crônicas 36.9 – oito anos de idade – parece ser algum erro do copista, pois em 2 Reis 24.8 consta 18 anos de idade.
Seguindo o exemplo de seus predecessores desde o tempo de Tiglate-Pileser III ( q . v . ) , Nabucodonosor deportou o rei (Joaquim) e seu séquito, assim como todos os habitantes de Jerusalém que poderiam tentar fomentar uma rebelião (2 Rs 24.12-16; 2 Cr 36.10; Jr 22.24-30; 52.28). Embora ele tivesse exigido levar alguns reféns para a Babilônia, incluindo Daniel e seus três amigos, e parte dos vasos do Templo de Salomão, logo de pois da batalha de Carquemis (Dn 1.1-7; cf. também 2 Cr 36.5-7), a deportação de 597 a.C. constituiu a primeira fase importante daquilo que é tradicionalmente referido como o cativeiro na Babilônia (cf. Mt 1.11). Da mesma maneira como havia feito antes, embora em uma escala muito maior, Nabucodonosor saqueou o Templo de Salomão e levou consigo um enorme despojo de guerra. Ele empossou o tio de Joaquim, Matanias, no trono de Judá (2 Rs 24.17; em 2 Cr 36.10 seria melhor traduzir “irmão” como “parente”), dando-lhe o novo nome de Zedequias para demonstrar sua própria suserania. Zedequias, sem dúvida, teria se sujeitado a ser um vassalo muito mais dócil se vários fatores fora de seu controle não tivessem perturbado a situação política.
Um considerável número de judeus, tanto em Jerusalém como na Babilônia, ainda considerava Joaquim o legítimo ocupante de seu trono. Ezequiel, por exemplo, traiu seus verdadeiros sentimentos ao avaliar as datas relativas ao cativeiro do “rei Joaquim” (Ez 1.2 etc). Além disso, mesmo depois de sua derrota em Carquemis, o Egito, embora seriamente enfraquecido, continuava a exercer alguma influência sobre os negócios do Oriente Próximo. Outrossim, a dissidência contra a Babilônia estava predominando não só em Jerusalém (o que se pode concluir pelos inúteis esforços de Jeremias para manter seus com patriotas afastados da rebelião), mas também entre o próprio povo de Nabucodonosor. Em 595/4 a.C., Nabucodonosor considerou que seria melhor permanecer na Babilônia para reprimir uma rebelião local.
A rebelião de Zedequias
No ano seguinte, Hananias, um falso profeta de Jerusalém, previu publicamente o retorno do exílio – dentro de dois anos – de todos aqueles que o rei havia levado para a Babilônia (Jr 28.1-4). Talvez Hananias tivesse recebido alguma notícia sobre a insurreição e a tenha interpretado como sinal de uma revolta mais disseminada. De qualquer forma, Jeremias denunciou esse indevido otimismo e aconselhou os exilados a adotarem a filosofia de “viver como sempre”, pois o Senhor havia revelado que sua permanência na Babilônia seria prolongada (Jr 29.1-23). Durante algum tempo, Zedequias continuou convencido da sabedoria do conselho de Jeremias, O texto em Jeremias 51.59 parece indicar que no mesmo ano da imprudente profecia de Hananias e, talvez, até mesmo como resultado dela, Zedequias fora convocado por Nabucodonosor para uma entrevista na Babilônia para determinar a extensão de sua lealdade. Evidentemente, Nabucodonosor ficou satisfeito com as respostas de Zedequias, pois permitiu que este continuasse no trono de Judá. Entretanto, os anos seguintes encontraram Zedequias cada vez mais incapacitado de resistir ao elemento pró-egípcio e antibabilônico da população de Judá. Finalmente, de modo contrário ao conselho de Jeremias (2 Cr 36.12; Jr 21.1-7; 37.3-10,17-20; 38.14-23) ele se rebelou (2 Rs 24.20. 2 Cr 36.13-16; Jr 52,3).
Em janeiro de 588 a.C., Nabucodonosor e seu exército estavam sitiando Jerusalém (2 Rs 25.1; Jr 39.1; 52.4; Ez 24.1,2). O exército babilônico havia capturado, uma a uma, as cidades fortificadas de Judá, de modo que na época em que o sítio de Jerusalém estava acontecendo restavam somente Laquis e Azeca (Jr 34.6,7). As cartas de Laquis, um conjunto de 21 documentos encontrados na moderna Tell ed-Duweir (a bíblica Laquis, q.v.) em 1935 e 1938 ilustram a consternação que reinava em Judá durante os últimos dias de sua existência nacional (veja ANET, pp. 321ss.). O único lampejo de esperança para uma situação que de outra forma seria meramente desesperadora, seria uma retirada temporária das forças da Babilônia da cidade de Jerusalém para enfrentar o exército egípcio que estava avançando (Jr 37.5,11} provavelmente sob o comando do Faraó Apries (589-570). Entretanto, o alívio de Jerusalém durou pouco, pois os babilônios forçaram os egípcios a se retirarem e o cerco à cidade recomeçou. A cidade suportou um sítio de 30 meses, mas as forças superiores da Babilônia finalmente abriram caminho através de seus muros em julho de 586, no 19“ ano do reinado de Nabucodonosor (2 Rs 25.2-4,8; Jr 39.2; 52,5 7,12). Zedequias e algumas de suas tropas tentaram fugir durante a noite, mas foram capturados nas proximidades de Jericó. O rei foi levado à presença de Nabucodonosor em Ribla, no Orontes, onde foi forçado a contemplar a execução de seus filhos. Então cegaram seus olhos e ele foi levado acorrentado para a Babilônia (2 Rs 25.5-7; Jr 39.4-8; 52.8 11), como um dos exilados da segunda maior fase do cativeiro na Babilónia (Jr 52.29). Em seguida, Nabu-zer(a)-iddina (Nebuzaradã, q.v,), capitão da guarda de Nabucodonosor, chegou a Jerusalém para completar a destruição e a pilhagem da cidade e do Templo, assim como a deportação dos habitantes, deixando para trás apenas os indivíduos mais pobres (2 Rs 25.8-17; 2 Cr 36.17-20; Jr 39,9,10; 52.12-23),
Depois da destruição de Jerusalém, Nabucodonosor nomeou outro governador para Judá, Gedalias (q.v.) que logo caiu em desgraça perante os elementos restantes da população antibabilônica da cidade. Aguardando uma oportunidade adequada, eles assassinaram o governante em Mispa, junto com alguns de seus companheiros babilônios e judeus (2 Rs 25.22-25; Jr 40.7—41.3). O incentivador dessa conspiração, um certo Ismael, fugiu para Amom com oito de seus lacaios (Jr 41.15), enquanto um outro grupo de judeus, temendo as represálias dos babilônios, fugiu para o Egito (2 Rs 25.26; Jr 41.16-18) levando Jeremias consigo (Jr 43.5-7). Em 582 a.C., ocorreu a terceira e última fase do cativeiro na Babilônia (Jr 52.30), aparentemente como resultado de uma expedição punitiva enviada por Nabucodonosor depois do assassinato de Gedalias.
Enquanto isso, o cego Zedequias definhava na prisão na qual veio a morrer (2 Rs 25.7; cf. Ez 12.13). Seu predecessor, Joaquim, foi consideravelmente mais afortunado: em 562 Amel-Marduk (Evil-Merodaque, q.v.), filho e sucessor de Nabucodonosor, libertou-o da prisão e o manteve na corte da Babilónia (2 Rs 25,27-30; Jr 52.31-34). Antes disso, as necessidades de Joaquim já haviam sido amplamente satisfeitas, como está claro em inúmeros documentos administrativos encontrados na Babilônia, datados do reinado de Nabucodonosor, e que se referem a Joaquim como Ya(k)ukin(u), rei de Yah/kudu (Judá; ANET, p. 308).
As expedições de Nabucodonosor ao ocidente, depois de 586 a.C., foram um anticlímax do ponto de vista de Judá. Suas campanhas contra Tiro (585-572 a.C.) são mencionadas em Ezequiel 26-28; 29,18, enquanto a batalha contra as tropas de Amasis do Egito em 568/7 a.C. (ANET, p. 308) parece ter sido prevista por Ezequiel (29.19). Nabucodonosor morreu em 562, exatamente 25 anos depois da capitulação de Jerusalém.
Construções
Nabucodonosor II, além de ser justamente famoso como brilhante estrategista e administrador, também deve ser reconhecido como um grande construtor. As expedições arqueológicas do Deutsche Orientge- sellsehaft, sob a direção de Robert Koldewey, que se iniciaram em 1899, mostraram que ele reconstruiu a Babilônia e a transformou em uma cidade magnífica (cf. Dn 4.30). Ele a fortaleceu e a embelezou simultaneamente. Em Borsippa, e na Babilônia, ele restaurou mais de 20 templos, enquanto na própria capital ele construiu uma rua suspensa com a porta de Ishtar para a procissão de Marduque, com seu colossal palácio ornamentado (cf Dn 1-4 para noções sobre a vida na corte da Babilônia durante seu reinado).
Ele também construiu uma das chamadas sete maravilhas do mundo antigo, os fabulosos Jardins Suspensos, um arvoredo elevado destinado a compensar sua esposa meda, Amytis, pela perda do lar de sua infância nas montanhas, A julgar pelas inúmeras inscrições reais, compostas em uma arcaica escrita e dialetos babilônicos, ele estava preso a uma diferente espécie de nostalgia – uma intensa saudade aos melhores dias de uma época passada.
Legislador
Uma tábua do Museu Britânico publicada em 1965 por W. G. Lambert e A. R. Millard exalta as virtudes de legislador e juiz de um certo rei, que somente pode ter sido Nabucodonosor II.
Um código de leis foi atribuído a ele, tanto quanto regulamentos para sua cidade (que, obviamente, era a Babilônia) e para sua própria função real. A justiça era exercida, em um caso, por decapitar um criminoso. Em outro, por submeter um acusado de assassinato, e seu acusador, ao ordálio do rio (prova judiciária, na Antiguidade, pela qual se conferia a veracidade da inocência ou culpabilidade de um acusado lançando-o no rio. Se sobrevivesse, era considerado inocente; também conhecido por “Juízo de Deus^/roç. XXVII, 1-11]).
Religião
As inscrições de Nabucodonosor revelam que ele era um homem muito religioso que procurava observar todas as cerimônias ligadas ao culto das divindades babilônicas. Os textos mais longos geralmente contêm dois hinos que terminam com uma oração. São feitas frequentes menções sobre suas elaboradas ofertas aos deuses. {Referências em Daniel. A luz de um fragmento de papiro em aramaico, da Caverna 4 de Qumran, conhecido como “Oração de Nabonido”, muitos estudiosos que acreditam ter sido o livro de Daniel escrito em uma data macabeana, sugeriram recentemente que as Escrituras cometeram um erro ao representar Nabucodonosor como um rei acometido de uma estranha doença durante sete anos (D. N. Freedman, BASOR #145 11957], pp. 31ss.; J. T. Milik, Ten Years of Discovery in the Wilderness o f Judaea, Napervílle, Hl. Allenson, 1959, pp. 3<5ss.). Mas, ao contrário, de acordo com o texto de Qumran, é Nabonido {q.v.), pai de Beisazar, que é mencionado. A doença descrita em Daniel 4.33 era uma doença mental, ou uma espécie de paranóia, e pode ser diagnosticada como licantropia (delírio mórbido) ou boantropia, uma forma rara de monomania, clinicamente reconhecida, pela qual o rei se imaginava um touro ou uma águia, e agia como tal (Harrison IOT, pp. 1114-1117 ). Mas a doença mencionada na “Oração de Nabonido” estava relacionada com a inflamação dos tecidos ou com uma doença maligna, certamente diferente de uma insanidade. R. K.
Harrison concluí que o texto de Qumran é um material lendário cuja origem é semelhante às histórias de Bel e o Dragão de Susanna, e com uma forma e conteúdo muito próximos da apócrifa Oração de Manassés (IOT, pp. 1117-1120).